terça-feira, 31 de julho de 2012

Escrito em Vermelho



Esta é a minha última carta pra você. Tantas foram que nem sei. Quantas palavras e divagações... sequer foram desejadas, sequer foram lidas, nunca foram, aos teus olhos, prova de nada. E quantas ainda tenho... quantas ainda teria... mas não; esta é a última, que de tão derradeira, vai terminando por aqui com o sentido mesmo de tudo o que já foi posto em papel a tinta.
Como última, não seguirá o mesmo ritual piegas das anteriores. Aqui se inicia um novo começo. Inicio uma outra carta, um livro quem sabe, que não é para você. Todas as outras foram. Tudo antes foi. Agora não mais. Toma. Esta é tua última carta. A última que terás. A última que não lerás e empilharás junto com as outras na última gaveta do teu armário antigo. Todas as outras, de outros. De outras vidas, outros amores e perdões. Todas abertas e lidas. Relidas até. Mas as minhas não... estas sequer foram entregues. Dou-te agora, todas elas de uma vez. Faz com elas o que quiseres, inclusive ler. Nelas estou eu, sou eu, com tudo o que sou, sendo o que sempre fui.
Hoje não mais você, não mais o ser você. Devolvo com ela, todos os teus pertences que ficaram comigo, ocultos, sim, sem que nunca disso tomasses conhecimento, mas que guardei profundamente em propício lugar. Nunca o saberias, mas resolvi delatar minha grande façanha. Recebe-os de volta então. Agora. Toma aqui teus cabelos lisos e pretos, tua pele branca e limpa, teus olhos vivazes e inquietos, teus pés faceiros e ágeis, tuas mãos macias e delicadas, tua boca risonha e feliz. Pega teu abraço inseguro e sem motivo, tua voz firme e indefinida, teu coração que bate tão devagar que quase não se pode sentir. Recebe de volta tudo que de ti guardei pra mim, com qual razão não sei, mas que guardei dentro da caixa que sou. Ainda caberia tudo de volta, ainda guardaria por quanto tempo fosse necessário. Mas você se retira daqui sempre que não me olha, ou não me toca, ou não me diz palavra alguma. Ah! se soubesses como amo tuas palavras...
E assim, sem saberes que me pertencias, sabes agora que não me pertences mais. Não te quero mais. Apenas por saber que não és lua. És sol. E sendo sol não podes ser meu. Porque os meus sempre foram lua. Eu sou lua também. Mas te queria, embora sol. Mas não queres caber aqui. Nem ao menos tentastes. E sendo eu tão lua, não posso ser escolhido teu guardião. Quando te guardarás? Quando pertencerás a um lugar como o que tinhas em mim? Um dia desses ouvirei de ti. Será sempre outro. Mas caberá nesse outro o teu exagero, o teu desespero, o teu viver confuso? Veremos...
Teu espaço é sempre o vazio e em mim não achastes vazio, mas plenitude, abundância de tudo o que nunca vivestes. Não quisestes caber em mim. Nunca soubestes que era possível, sim, uma vida sob a penumbra de um coração que ama as coisas secretas e simples? Simples nunca fostes. Secreto também não. Mas não exigi isso de ti. Apenas te quis sol, cortante, invasivo, brutal. Vermelho.
Diluo hoje, em tinta e te dou em forma de borrão o teu último eu em mim. E em mim sempre fostes mais belo do que és. Tua cor em mim sempre foi mais forte. Agora vai. Vai com tuas asas, teu céu, tua estrela e tua música. Não ficarás sozinho, bem sei. Ficarás sem mim e isso muda tudo. Vai e leva teu eu em verbo, mas devolve-me antes a razão que perdi quando decidi que te amar seria uma opção viável, tão viável quanto amar o sol, e não a lua. 

 THIAGO BARBOSA

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